quinta-feira, 1 de novembro de 2007

PELA PAZ

Agradecendo a Lino o convite para participar da blogagem coletiva PELA PAZ, passo a palavra a DRUMMOND, homem que praticou a paz e que completaria nesse 31 de outubro, 105 anos. OS PACIFISTAS ******** Na Cinelândia, pela tarde,/ em bancos vulgares e amigos,/ sentam-se homens mal vestidos./ Não mostram pressa de voltar / para casa ou para o trabalho/. Sentam-se em honra de uma vida/ que vive dentro de suas vidas/ corriqueiras, pardas e tristes,/ e lá ficam a ver as pombas/ em torno à estátua de Floriano/ catando milho distribuído/ por um deus amigo das aves,/ o deus que no baixar à Terra/ preferiu o simples disfarce/ de empregado administrativo./ Bicam as pombas, esvoaçam/ por entre mármores do Teatro,/ do Museu e da Biblioteca,/ não que lhes interessem óperas,/ livros, telas, artes humanas./
Brincam as pombas: pena, cor/, lampejo entre árvores, tranqüilo/ ser-existir infenso ao trágico/ mundo que se foi modelando/ entre gritos, gagos regougos/ lágrimas, cóleras, solércias,/ à custa do mundo essencial/. Libertados de todo peso,/ deixam-se os homens / desprevenidos face às pombas./
Silenciosos e circunspectos,/ são talvez os homens melhores/ de nosso tempo assim parados./ Não pleiteam bens ou poderes / mais que o bem e o poder de um banco/ alteado no chão de pedrinhas./
Não transportam a guerra n’alma,/ não vendem ódio, não tocaiam/ nem sofismam quem tem razão/ entre sem-razões deste instante/. O vôo não viajeiro basta-lhes/ para alimento das retinas/ e, ao mirar as pombas, remiram/ uma harmonia que perdemos./ Na Cinelândia, aves e homens / redescobrem a paz, em vida./
******** Carlos Drummond de Andrade, in Seleta em Prosa e Verso, 1976 Livraria José Olympio Editora