Agradecendo a Lino o convite para participar da blogagem coletiva PELA PAZ,
passo a palavra a DRUMMOND, homem que praticou a paz e que completaria nesse
31 de outubro, 105 anos.
OS PACIFISTAS
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Na Cinelândia, pela tarde,/
em bancos vulgares e amigos,/
sentam-se homens mal vestidos./
Não mostram pressa de voltar /
para casa ou para o trabalho/.
Sentam-se em honra de uma vida/
que vive dentro de suas vidas/
corriqueiras, pardas e tristes,/
e lá ficam a ver as pombas/
em torno à estátua de Floriano/
catando milho distribuído/
por um deus amigo das aves,/
o deus que no baixar à Terra/
preferiu o simples disfarce/
de empregado administrativo./
Bicam as pombas, esvoaçam/
por entre mármores do Teatro,/
do Museu e da Biblioteca,/
não que lhes interessem óperas,/
livros, telas, artes humanas./
Brincam as pombas: pena, cor/,
lampejo entre árvores, tranqüilo/
ser-existir infenso ao trágico/
mundo que se foi modelando/
entre gritos, gagos regougos/
lágrimas, cóleras, solércias,/
à custa do mundo essencial/.
Libertados de todo peso,/
deixam-se os homens /
desprevenidos face às pombas./
Silenciosos e circunspectos,/
são talvez os homens melhores/
de nosso tempo assim parados./
Não pleiteam bens ou poderes /
mais que o bem e o poder de um banco/
alteado no chão de pedrinhas./
Não transportam a guerra n’alma,/
não vendem ódio, não tocaiam/
nem sofismam quem tem razão/
entre sem-razões deste instante/.
O vôo não viajeiro basta-lhes/
para alimento das retinas/
e, ao mirar as pombas, remiram/
uma harmonia que perdemos./
Na Cinelândia, aves e homens /
redescobrem a paz, em vida./
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Carlos Drummond de Andrade, in Seleta em Prosa e Verso, 1976
Livraria José Olympio Editora