sábado, 22 de setembro de 2007

EM VIAGEM (2)

Estar em Canárias é bastante distinto de estar nas capitais ou cidades do interior brasileiros, não somente pela paisagem, mas também pelos ventos abundantes, como os moinhos presentes na paisagem, geradores de energia eólia, sabiamente aproveitada nas ilhas. . Enquanto os ventos sopram, as montanhas dominam o olhar, com sua cor escura cinza escuro e verdes especiais. Surpreendi-me com as espirais dos caminhos volteando as formações rochosas, paisagens mutantes à direita e à esquerda. Impossível ficar indiferente à diversidade de visões. A temperatura vai pedindo agasalho, mesmo se o sol ilumina as encostas. Lá pelas tantas, avistam-se “buracos” nas formações rochosas: _ Ali moram famílias, são residências que existem há séculos, patrimônio nacional, não se pode modificar com placas, pinturas ou paredes, etc. No entanto, a moradia existe, funciona, mas se os “ proprietários” resolvem passar para outro, é caro, está tudo controlado. As grutas fazem parte da vida. Tudo que acontece por aqui é visto, fiscalizado, é nosso patrimônio, zona arqueológica! _Também existem restaurantes, igreja, museu. Paramos num “terraço”, donde podemos nos maravilhar com a amplidão das cordilheiras, vislumbramos a densidade do verde das reservas florestais, tão bem cuidadas, as vias de acesso no Barranco de Guayadeque, que acabamos de percorrer. . Atrás de nós a gruta-Restaurante Tagoror, decorada por peças de cerâmica antigas, muito antigas. Toda “janela” interna exibe um objeto, lembrando os Guanches, habitantes das ilhas antes dos espanhóis: símbolos geométricos utilizados pelos aborígenes Canários para pintar seus corpos, decorar os lugares sagrados e como selos familiares em espaços coletivos, além de figuras representando suas crenças, como a deusa da fertilidade. Uma lição de história, de memória preservada. Seguimos Barranco acima, ao longe o Roque Nublo, pico onde se efetuavam os rituais místicos dos primitivos povos. Aqui e ali, as flores nos surpreendem, enormes cactos, a fruticultura, as ervas, tudo tão parecido com a flora brasileira. Impressionante a vegetação rasteira dominante sobre a rocha vulcânica, parece seca, mas mantém sua vitalidade para ser plena no inverno, quando as flores cobrem os campos, um espetáculo de grande beleza, segundo informações alegremente repetidas, pelos Canários de hoje. Em plena montanha, é possível visitar museus de artesanato, casas originais onde alguém resolveu cultivar a arte cerâmica, conservando o lugar intacto por mais de cem anos, inclusive a oficina, mantida por alunos, e protegida por algum subsidio do governo local. Ou uma escola agrícola de excelente nível, tudo muito simples, com aproveitamento total dos espaços. Em nosso querido Brasil, os sinais dos nossos índios foram apagados, pela indiferença, violência ou desprezo. Os sítios históricos como as Itacoatiaras de Ingá abandonadas à sorte, mofando, descascando, cada um chega e faz o que quer, porque administração e fiscalização não há. Entre nós, o que está sendo feito pra restaurar um pouco da memória de nossos ancestrais? Como estamos tratando nós mesmos, os traços de nossa memória? Não pergunto aos governantes, que esses não lêem blogs, como não lêem nossas necessidades de povo. Mas a nós mesmos, simples cidadãos: Como vemos os índios que lutam pra lembrar quem são, entorpecidos pela indiferença,violência, desprezo ou cachaça? Qual nossa parte nessas tragédias? Sem compromissos com a memória, aonde vamos? Talvez seja mais fácil cultivar piadas com as falas trôpegas de Lula, ironizar a falta de vergonha do Senado... VIVA O POVO BRASILEIRO, de João Ubaldo Ribeiro, comemora seus 40 anos, merece ser relido nesse tempo de descartáveis!