quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

DIREITOS HUMANOS: BLOGAGEM COLETIVA

Do direito ao acesso

“Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção....” Art. XIII

Nesse dia dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não vou falar das crianças perambulando nas ruas, da saúde para as diferentes camadas sociais, nem das escolas de péssima qualidade, onde falta de tudo.... Gostaria de falar de outro direito também abandonado...

.... Andar, caminhar, correr são movimentos tão primitivos quanto a existência humana. O ato de locomover-se uma necessidade básica da pessoa, essencial para sua sobrevivência, crescimento e manutenção.

Os profissionais da saúde não se cansam de orientar as populações para caminhadas e andadas. A propaganda incita ao turismo. Tudo diz para o cidadão se mexer, andar, caminhar, sair do ninho. E no entanto, quando se observa as condições das cidades, onde os lugares reservados para os pedestres foram abandonados, descuidados, desprezados, fica-se a pensar.

Conversando com amigos escutei relatos como este:

Em viagem, fora do Brasil, Maria e Silvana puderam vivenciar o andar em calçadas decentes, planas, sem buracos, sem reentrâncias, sem degraus. Cidades pequenas ou grandes, elas puderam andar sem a preocupação de uma queda, e isso fez uma grande diferença na vida das duas mulheres. Contaram que perceberam algo sutil, mas de grande importância na sua rotina de cidadãs: podiam caminhar e ao mesmo tempo prestar atenção à paisagem, à bolsa, aos lugares por aonde iam passando, podiam respirar. Segundo elas, essa percepção lhes deu a noção de quanto stress representa o maltrato das vias públicas entre nós. Sem ameaça à segurança, o foco era CAMINHAR, não a batalha pra se livrar dos buracos das calçadas.

Também a história de Francisca, que de uma só queda, enquanto andava na sua própria rua, em João Pessoa, foi direto pro hospital do trauma. Fui visitá-la, os médicos num corre-corre pra socorrer tantos acidentes. Ela sobreviveu apenas uma semana, com a fratura do fêmur e da bacia, revoltante ver uma pessoa lúcida e forte, se extinguir num escorrego de rua.

Como os relatos e viagens servem também para o aprendizado, observemos como são, aqui, no nosso lindo país, as calçadas e vias públicas, onde cada proprietário faz sua calçada como quer, com reentrâncias e “degraus” no meio da calçada, são um verdadeiro absurdo. Não falo dos calçadões do Leme ao Leblon, no Rio de Janeiro, onde o direito de acesso está garantido, falo das calçadas dos bairros e periferias, mesmo os de classe média, miseravelmente construídas, mal mantidas, feitas em qualquer nível, umas altas, outras baixas, com buracos de todos os tamanhos, quebradas, tampas de esgotos fora do lugar, verdadeiras armadilhas para os transeuntes. Falo da falta de legislação adequada a essa realidade urbana, da falta de fiscalização, da falta de prioridade ao direito básico.

Num mundo onde a ciência cria condições para a longevidade, onde o número e percentual de idosos crescem, a administração das cidades não atenta para o direito de locomoção. Os idosos, que já não têm a acuidade visual dos jovens, caminham preocupados em não cair, se desdobram em prestar atenção onde pisam. Desdobram-se em atenções, para não ir encher os hospitais do trauma, abarrotados que estão com vítimas de quedas, quebra de fêmur e de bacia...

As mulheres com seus bebês transitam mal, têm que ir para o asfalto, livrando-se das calçadas, se lançam no perigo maior, o do trânsito.

O direito ao acesso está restrito aos cidadãos enquanto estão em veículos. Logo que se vê nas calçadas das cidades, o direito cessa. Por quê? E vem a cantoria ao carro próprio, que leva os orçamentos domésticos aos píncaros! Será que andar vai virar um crime?

Além do grau de tensão estressante, multiplica-se nos lares a agonia onde há uma vítima de quedas, devido a buracos de rua, cuja vida será imobilizada, alterando por completo seu próprio direito à vida.

Como pode continuar tal descalabro em relação a esse direito fundamental, o direito à locomoção, em condições humanamente aceitáveis?